Não é muito normal poder dizer isto, mas estava lá, no estádio, no primeiro Portugal-Croácia da história. Foi em Nottingham, há 24 anos, na fase final do Europeu de 1996. Era a primeira fase final de uma grande competição para os croatas, cuja debandada da seleção jugoslava, quatro anos antes, ajudara a UEFA a decidir-se pela suspensão da mega-nação inventada por Tito e a substituí-la no Euro pela Dinamarca, que acabaria por ganhar a edição de 1992. Mas era também a primeira fase final de uma grande competição para Portugal desde o sarilho de Saltillo, a presença lusitana no Mundial de 1986, dez anos antes, pelo que a novidade, ali, era geral e a coisa pôde ser encarada como uma festa por todos, incluindo os croatas. Que já tinham craques de dimensão mundial, já estavam apurados para a fase seguinte e também por isso não se ralaram nada com um resultado que, mal sabiam eles, iria tornar-se tendência, transformando-os no nosso freguês mais habitual.

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Isso mostra bem a diferença entre dois povos tidos como mais dados ao improviso do que à organização. Os croatas nunca foram tão indisciplinados como os “primos” sérvios, mas por toda a história também parecem ter ficado sempre aquém como equipa do que aquilo que valeria a soma dos seus jogadores se considerados individualmente. Basta ver a seleção de 1996. Tinha Suker, Boksic, Boban, Prosinecki, Asanovic, Jarni, Vlaovic ou até Bilic e mesmo assim ficou-se pelos quartos-de-final, eliminada pela Alemanha. Portugal também caiu nos quartos-de-final desse Europeu, apesar de ter por lá gente do calibre de Baía, Couto, Sousa, Rui Costa, Figo ou João Pinto. Mas a equipa portuguesa era jovem, depois aprendeu com a repetição de fases finais e deixou de celebrar cada uma. Os croatas, que tinham uma geração de ouro a chegar ao fim, foram logo a seguir semifinalistas do Mundial de 1998 e, desde então, só falharam duas fases finais (as de 2000 e 2010). Portugal marcou presença em todas menos uma (a de 1998). Mas se os portugueses chegaram por sete vezes às meias-finais e em três delas até se apuraram para a final (ganhando as de 2016 e 2019), os croatas acumulam eliminações prematuras e só chegaram por duas vezes à meia-final (e numa delas, no Mundial de 2018, à final, que perderam para a França).

Em 1996, ainda andávamos todos a tentar perceber de que parte da Jugoslávia eram mesmo os jogadores que tínhamos por cá. Que Ivic era croata, Ivkovic também, mas que Drulovic, por exemplo, era sérvio. Que Filipovic era montenegrino e Zahovic esloveno. Aquela Croácia de 1996 tinha entrado muito bem no Europeu, ganhando à Turquia por 1-0 (golo de Vlaovic) e à Dinamarca por 3-0 (bis de Suker, com acrescento de Boban). Portugal empatara a um golo com os dinamarqueses (marcou Sá Pinto) e depois ganhara à Turquia por 1-0 (golo de Couto). Antes do jogo, Portugal ainda podia ser apanhado pela Dinamarca, que defendia o título e até fez a sua parte, ganhando à Turquia, mas a Croácia já estava apurada. E tudo isso acabou por facilitar a entrada da equipa portuguesa no desafio: Figo marcou aos 4’, João Pinto dobrou a vantagem aos 33’, Domingos fechou os 3-0 aos 82’. Tudo contra uma equipa croata que mais parecia não ter saído do balneário. Todos seguiram em frente, mas já se marcava ali uma tendência. Nos seis confrontos entre estas duas seleções, nunca a Croácia ganhou a Portugal. O máximo que conseguiu foram dois empates – e num deles um raro golo de cabeça de Quaresma, na ponta final do prolongamento, valeu a Portugal a continuação da caminhada rumo à vitória no Europeu de 2016.

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O segundo Portugal-Croácia da história aconteceu em Novembro de 2005 e foi o único em que não estive. Aconteceu em Coimbra, era particular, e a equipa lusa, comandada por Luiz Felipe Scolari, impôs-se por 2-0, com golos de Petit e Pauleta. Figo, por exemplo, ainda veio a estar na fase final do Mundial de 2006, mas nessa altura estava fora da seleção por opção, pelo que não sobrou em campo nenhum dos jogadores da vitória de 1996. Os croatas viviam uma fase mais frouxa em termos de craques e, enquanto Portugal vinha da final perdida no Euro’2004, no último estertor da geração de 1996, a equipa de Kranjkar saíra das últimas duas competições na fase de grupos. E o mesmo viria a suceder-lhe em 2006, num Mundial em que Portugal voltou a chegar às meias-finais, já com Cristiano Ronaldo pronto a assumir a batuta deixada por Figo.

Foi de Ronaldo, aliás, o golo da vitória no terceiro Portugal-Croácia. E Ronaldo, atenção, nem costuma ser particularmente feliz nos jogos contra este adversário: este foi o único golo que lhe marcou. As duas seleções voltaram a defrontar-se em Junho de 2013, em novo particular, desta vez em Genebra. Ganhou por 1-0 a equipa portuguesa, que Paulo Bento levaria a um Mundial frouxo em 2014: saída na fase de grupos, tal como aconteceu aos croatas, de resto. Aquela era já, contudo, uma nova geração croata com muito talento. A ponto de o jogo seguinte, ganho por Portugal por 1-0, com o tal golo de Quaresma no fim do prolongamento, ter permitido à equipa de Fernando Santos superar o adversário mais complicado na caminhada até à final do Europeu de 2016. Na Croácia havia gente do calibre de Srna, Modric, Rakitic, Mandzukic ou Perisic, mas acabou por falar mais alto a solidariedade defensiva da equipa portuguesa e aquele contra-ataque que Quaresma concluiu com um cabeceamento à boca da baliza. Fiz todo o Europeu de 2016 a ir e vir para os jogos. Apanhava o avião de manhã, fazia os diretos do estádio durante a tarde e os comentários do jogo na RTP1 à noite e voltava logo a seguir a casa, se houvesse voo charter, ou na manhã seguinte, se fizesse a viagem em voo de carreira. No jogo com a Croácia, em Lens, fui e vim de charter. E não me esqueço do semblante dos muitos adeptos que foram e vieram comigo. Suspiros de alívio eram o que se via mais. A seguir vinha o jogo com a Polónia e as dificuldades que se anteviam não eram semelhantes.

Houve mais dois jogos entre Portugal e a Croácia antes do desta terça-feira e em nenhum os portugueses puderam contar com Cristiano Ronaldo. O primeiro foi um particular, no Algarve, em Setembro de 2018, altura em que o CR7 estava a adaptar-se à Juventus e foi sendo sempre poupado por Fernando Santos, inclusive aos jogos da Liga das Nações. A Croácia chegava ali com o estatuto de finalista do Mundial, enquanto que Portugal – que caíra nos oitavos-de-final, na Rússia – procurava agilizar uma nova geração para o pós-Ronaldo. Perisic marcou primeiro para os forasteiros, Pepe assinalou o uso da braçadeira de capitão com o golo de um empate que não se desfez, mesmo tendo Fernando Santos dado na segunda parte as estreias na seleção a Sérgio Oliveira ou Gedson. Os portugueses arrancavam ali para a vitória na Liga das Nações, que viriam a consumar no verão seguinte, enquanto que os croatas se ficaram pelo último lugar do seu grupo, só escapando à despromoção para a Liga B porque a UEFA decidiu alargar a divisão de topo para 16 equipas. Escaparam eles, a Alemanha, a Polónia e a Islândia, aliás.

E foi a essa decisão que ficaram a dever-se os outros dois jogos entre Portugal e a Croácia. O de terça-feira, que será o sétimo confronto entre estas duas seleções, e o que se realizou no Dragão em Setembro, marcando o regresso do futebol de seleções após a interrupção devida à pandemia. Outra vez sem Ronaldo – que padecia de uma infeção num dedo do pé direito – Portugal ganhou com facilidade por 4-1 a uma equipa da Croácia que também não trouxe Modric e Rakitic. Cancelo, Jota, João Félix e André Silva fizeram os golos de Portugal, tendo Petkovic marcado o tento de honra croata. O saldo está, assim, em quatro vitórias de Portugal e dois empates, um dos quais a equipa lusa transformou em vitória no prolongamento. Em golos, a diferença é grande: 12-2. O suficiente para transformar esta equipa da Croácia num freguês habitual da seleção nacional.

Texto da autoria de António Tadeia