Há os derbies e há os clássicos. Quando o futebol chegou a Portugal, não havia tanta facilidade de deslocação pelo país. Não havia autoestradas, não se apanhavam aviões entre Lisboa e o Porto, pelo que o encanto do jogo começou pelos derbies, que juntavam no mesmo local os adeptos de clubes rivais. Pelos Benfica-Sporting, pelos FC Porto-Boavista, pelos Académica-União, até pelos Lusitano-Juventude. Até que chegaram os clássicos. O primeiro de todos foi o Sporting-FC Porto, porque foram estes dois clubes que se defrontaram em Junho de 1922 na final do primeiro Campeonato de Portugal alguma vez realizado. Ganhou o FC Porto, mas só em três jogos, no prolongamento de uma finalíssima que desde logo deu o mote para uma toada de equilíbrio que os diferentes períodos hegemónicos parecem contrariar, mas apenas no curto prazo. Ao todo, em 236 jogos, verificaram-se 82 vitórias leoninas (35 por cento) e 86 portistas (36%), além de 68 empates. Não há clássico historicamente mais equilibrado do que este no futebol nacional. 

Sporting - FC Porto

Quem vive neste tempo não pode deixar de reparar na inabilidade recente do Sporting para ganhar ao FC Porto. Os leões não ganharam nenhum dos últimos seis jogos com o FC Porto, ainda que tenham tido a capacidade para, nesse período, ganhar dois troféus em finais com os dragões, no desempate por penaltis – a Taça da Liga e a Taça de Portugal de 2018/19.

Sporting - FC Porto
Sporting – FC Porto: o Clássico na final da Taça da Liga em 2019

Na Liga, então, são sete os jogos seguidos sem vitória leonina, com cinco derrotas e dois empates desde os 2-1 de Agosto de 2016. O atual período de hegemonia portista – o Sporting só ganhou um dos últimos 12 jogos contra o FC Porto, uma meia-final da Taça de Portugal, em Abril de 2018 – segue-se a um outro com domínio sportinguista, no qual os dragões tinham vencido apenas uma vez em oito desafios. E é assim desde sempre. Porque nos clássicos há essa tendência para um agigantamento por fases, são jogos em que acreditar – ou descrer – que a vitória é possível é quase meio caminho andado para lá chegar ou para não ser capaz de fazer o caminho. 

Por exemplo, no seu mais recente período de auge, entre 2006 e 2009, no qual o FC Porto conquistou quatro campeonatos seguidos, foi o Sporting quem venceu seis dos 14 clássicos disputados, com cinco empates e três sucessos portistas. Nos anos que se seguiram à estreia do filme “O Leão da Estrela”, que em 1947 retratou as peripécias de um adepto leonino em viagem ao Porto para ver a sua equipa jogar – e ganhar – no terreno do rival, foi o FC Porto quem mais se impôs, respondendo à hegemonia com quatro vitórias e apenas uma derrota nos anos de 1948 e 1949. São curiosas as tendências de um confronto que teve início nesse final de Primavera de 1922, com a final do primeiro campeonato de Portugal. A Federação Portuguesa de Futebol entendeu que devia coroar um campeão nacional e convidou os dois vencedores dos campeonatos regionais mais credenciados para um tira-teimas. FC Porto e Sporting começaram por defrontar-se na Constituição, a 4 de Junho, com vitória azul e branca por 2-1. Uma semana depois, no Campo Grande, foi o Sporting quem venceu, por 2-0. Não havia essa nuance da diferença de golos como fator de desempate, pelo que se organizou a finalíssima, jogada a 18 de Junho no Bessa. Com 1-1 no final dos 90 minutos, passou-se a um prolongamento, no qual o FC Porto se impôs por 3-1, tornando-se assim o primeiro campeão de Portugal.

O campeonato passou na época seguinte a incluir clubes de outras regiões: em 1923 já nele tomaram parte a Académica, por Coimbra, o SC Braga, pelo Minho, o Marítimo, pela Madeira, e o Lusitano de Vila Real de Santo António, pelo Algarve. Voltou a haver Sporting-FC Porto, desta vez nas meias-finais, desta vez com vitória leonina por 3-0. O mesmo resultado que os leões impuseram à Académica na final. Para que se veja bem da antiguidade e precedência deste clássico, já se tinham jogado seis Sporting-FC Porto (com três vitórias para cada lado) no dia em que se realizou o primeiro Benfica-FC Porto oficial, que foi a 28 de Junho de 1931, na final do Campeonato de Portugal desse ano, com vitória dos encarnados por 3-0. E o facto de a essa data haver três vitórias para cada lado é bem sinal do equilíbrio que haveria de se verificar daí para a frente. O que não implica que não haja a registar enormes períodos de seca, de parte a parte. O FC Porto esteve um máximo de oito jogos sem ganhar ao Sporting, de Novembro de 1966 a Abril de 1971, durante aquele que também foi o mais longo jejum do clube em termos de títulos de campeão nacional – de 1959 a 1978. Mas o Sporting conseguiu ir mais longe neste registo negativo e não bateu o rival durante 19 partidas, entre Outubro de 1989 e Abril de 1996 – também durante aquele que até aos dias de hoje era o seu mais longo jejum de títulos, de 1982 a 2000.

Sporting - FC Porto
Sporting – FC Porto: o Clássico de 2009 em Alvalade, com Miguel Veloso e Hulk em ação

Outro fator a ter em conta aqui é o fator-casa. 57 das 82 vitórias leoninas foram conseguidas no seu terreno, onde o FC Porto só ganhou 21 vezes. E 63 dos 86 sucessos portistas também foram obtidos em casa, onde os leões só venceram 19 vezes. Em campo neutro, a vantagem é do Sporting, com seis vitórias, seis empates e duas derrotas. O jogo deste sábado será em Alvalade, onde o FC Porto até ganhou na última Liga (por 2-1, em Janeiro deste ano), mas onde, antes disso, passara 14 jogos sem vencer, desde Outubro de 2008. Mais de uma década, portanto. E se acha muito, fique sabendo que a primeira vitória portista no campo do Sporting só surgiu à 23ª tentativa, em Abril de 1949, um 2-1 com quatro dos cinco violinos a jogarem no ataque leonino. Foram 27 anos de tentativas infrutíferas. E o Sporting também só venceu em casa do FC Porto à 16ª tentativa, em Março de 1944, por 3-1. Pelo caminho, nesta total incapacidade de ganhar no campo adversário que marcou o início deste duelo, houve grandes “cabazes” de golos a celebrar – ou a esquecer, consoante a perspetiva. A 22 de Março de 1936, em jogo da Liga, no Ameal, o FC Porto estabeleceu aquele que ainda hoje é o resultado mais amplo deste clássico: 10-1, com 6-1 ao intervalo, um póquer de Carlos Nunes e um hat-trick de Pinga. Dyson, o guarda-redes leonino, saiu lesionado aos 30’, após o quarto golo do FC Porto, tendo o seu lugar entre os postes sido ocupado pelo extremo Carneiro, que até já jogara no FC Porto e tinha sido guarda-redes nos miúdos do Recreio de Águeda. Respondeu o Sporting a 4 de Abril de 1937, quando ganhou ao FC Porto por 9-1 no Campo Grande, também em jogo da Liga. Desta vez foi Soeiro quem obteve um póquer, tendo Cruz feito um hat-trick e o FC Porto jogado com dez homens na meia-hora final, por lesão do defesa Guilhar.

Texto da autoria de António Tadeia